Oktoberfest

“Ein posit, ein prosit der Gemütlichkeit”
(Brindemos, brindemos o ambiente agradável)

Acabei de voltar da minha terceira edição da Oktoberfest. A festa de outubro (que acontece em setembro, vai entender esses alemães), é um evento único e impressionante.

Salto em frente ao pavilhao da Löwenbräu, o da Paulaner ao fundo

Salto em frente ao pavilhao da Löwenbräu, o da Paulaner ao fundo

Primeiro, pela logística. A Goetheplatz vira um grande parque de diversões, com montanhas-russas, quedas-livres, tiro-ao-alvo-valendo-um-urso, barracas de cachorro quente, etc. Em volta disso tudo os 16 pavilhões do tamanho de campos de futebol, com capacidade de 4 mil a 10 mil pessoas CADA, abertos das 10 da manhã até as 10 da noite, servindo infinitas canecas de 1 litro de cerveja para essa multidão sedenta.

ainda bem que cachorro não entra

Frangos de televisão em escala industrial: cachorro não entra

E haja caneca pra matar a sede de milhares de pessoas

E haja caneca pra matar a sede de milhares de pessoas

Cada pavilhão é uma verdadeira unidade industrial, com a típica eficiência alemã. Tonéis e mais tonéis de cerveja. Filas de garçons e garçonetes em frente à cozinha para recolher as salsichas brancas e joelhos de porco para seus clientes. Logo ali, outra planta com uma esteira por onde as canecas e pratos usados entram numa lava-louça gigante. O banheiro, organizadíssimo. Os mijões se enfileiram como vaquinhas num abatedouro, e a limpeza é automática.

Mas o legal é o clima de festa. É difícil para um brazuca imaginar que num lugar com milhões de pessoas e milhões de litros de cerveja não tenha confusão, pancadaria, tiroteio, arrastão, putaria e gente vomitando pelos cantos. Pois não tem. A gente tem a tranquilidade de aproveitar a festa num total clima de seguranca, e assim todo mundo aproveita mais.

Antje, Denise, Fabinho, JC, Mow, Bia, Lucy, Ligia, Juliana e outras 5.000 pessoas oktoberfestejando

Antje, Denise, Fabinho, JC, Mow, Bia, Lucy, Ligia, Juliana e outras 5.000 pessoas oktoberfestejando

As mesas compridas e próximas promovem a interação entre as pessoas à medida que a cerveja derruba a timidez. O “ein prosit”, hino ao brinde que a banda repete a cada meia-hora, parece a “paz de cristo” na igreja. Todo mundo levanta suas canecas e brinda com o pessoal de uma, duas, três mesas para lá, com um sorriso no rosto. O brinde convida a um papo, e logo somos os melhores amigos de umas 30 pessoas ao nosso redor.

Momento solene

Momento solene

Só num lugar como esse, com uma embriaguez de fartura e paz-de-espírito, poderia JC ter encontrado Jesus. Avistei-o de longe e depois criei coragem de ir falar com ele. Levei uma oferenda: uma caneca de cerveja. Ele deu risada, veio ter conosco em nossa mesa, e nos abençoou, fazendo o sinal da cruz em nossa direção e dizendo “Deus abençoe os bêbados”.

JC e "Jesus" tomando suas brejas

JC e "Jesus": tomai e bebei do liquido dourado

Na verdade era um italiano, chamado Lucca. Os italianos invadem a Oktoberfest (é ali do lado). Conhecemos também um cara chamado Armando Festa. Juro.

Uma vez Paulista…

Palácio da Justiça, Páteo do Colégio

Palácio da Justiça, Páteo do Colégio

Estranhei a confusão no aeroporto, estranhei a estreita esteira onde as pessoas disputavam as bagagens. O free shop evitei, pois já tinha estranhado na última vez. Estranhei os caminhões na Dutra, a marginal com o rio cimentado, estranhei as avenidas largas e barulhentas, com seus estranhos prédios novos.

Estranhei, de tão deliciosa, a rabada que minha mãe preparou para me receber. Estranhei a felicidade dos meus amigos em saber que eu estava aqui, estranhei a disposição deles em vir me ver assim tão de repente. Todos eles. Foi estranho me sentir especial depois de tanto tempo.

O Fabão foi um dos que veio me ver

O Fabão foi um dos que veio me ver

Estranhei a pizza que chegou na nossa porta de noite, por ver que a conveniência não compromete o prazer. Estranhei as cervejas geladas, nessas latas pequenininhas que acabam rápido. Estranhei os debates acalorados sobre o Brasil, estranhei o quão tarde as pessoas deixam ficar por estarem gostando da conversa. Estranhei a falta da Denise.

Estranhei meu pai preferir a Avenida Brasil à Heitor Penteado para chegar na minha irmã. Estranhei a casa cheia de crianças. Estranhei o carinho do meu sobrinho, que acabara de passar 1/3 da vida dele sem me ver mas morria de saudades.

JC e Gus

JC e Gus

Estranhei as tomadas de dois pininhos cilíndricos, que não aceitavam meus aparelhos de longe. Estranhei não poder dirigir, pois, estranhamente, os motoristas irregulares estão sendo parados na rua. Fui até o metrô para ir à Santa Efigênia comprar adaptadores para usar meu computador e celular.

Metrô Brigadeiro

Metrô Brigadeiro

Estranhei o português que vazava das pessoas ao meu redor nas ruas e no metrô. Estranhei os nomes das estações. Estranhei ter estranhado ver as pessoas todas à direita nas escadas rolantes para ajudar os apressados. Estranhei quando meu cartão com chip foi aprovado para bancar meus gastos em reais.

Estranhei os apartamentos espaçosos onde meus amigos estão morando, e começando a popular com crianças que devem ter me estranhado. Estranhei a picanha, a calabreza e o queijo coalho que eles serviram na varanda. Estranhei seus planos, seus objetivos, suas conquistas.

Estou estranhando muito São Paulo. É estranho ser tão bem recebido por quem não te via há um ano. É estranho se sentir tão em casa num lugar que há muito não é sua casa. É estranho ver que tudo por aqui está tão diferente, mas tão igual. É estranho ver pessoas que conheci pequenas (em termos de idade ou de projeto de vida) terem crescido tanto junto com esse lugar. É estranho sentir ter participado disso tudo, mesmo sem ter tido.

Na verdade o que mais me estranhou foi o fato de que não estranhei nada. E comecei a estranhar a mim mesmo por isso. Estranhei como a minha vida foi para longe, mas ao mesmo tempo ela continua aqui, intacta. Tenho certeza que vou estranhar Covent Garden e St John’s Wood, e a minha casinha, e aquelas pessoas estranhas, falando aquela língua estranha, quando pousar em Heathrow depois dessa semana estranha.

SP e JC

SP e JC: the eternal bond

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Peço desculpas: as fotos desse artigo são de viagens anteriores de JC à sua terra natal. Fotos novas não puderam ainda ser garimpadas por limitações técnicas, e serão apresentadas aqui em momento oportuno.

Saudades de mim

Nesses últimos dias eu andei revolvendo músicas, momentos, amigos, lugares, cheiros, sensações do passado de uma forma que há muito não fazia. Acho que estou com saudades de mim.

Aeroportos da vida

Aeroportos da vida

A vida vai carregando a gente para lá e para cá, mudando nossos hábitos, distorcendo nossas mentes, enraizando conceitos, nos deixando mais conscientes mas mais cautelosos. Vamos aos poucos trocando de opiniões, atualizando objetivos, mudando de lugar, conhecendo gente. A transformação é quase sempre linear, contínua, imperceptível no dia-a-dia. Vestibulares, formaturas, promoções, casamentos, são eventos que apenas simbolizam os movimentos lentos da nossa vida.

Poker no Paraiso

Poker no Paraiso

De repente você se pega lembrando de coisas que fazia e dizia, de pessoas que eram importantes, de idéias e músicas que achava geniais, de dilemas que lhe tiravam o sono, e se surpreende de ser você o personagem daquelas histórias. A nostalgia seria quase uma fantasia da nossa cabeça, não fossem as fotos nos ábuns empoeirados e os discos esquecidos na prateleira, únicas provas concretas de que o passado realmente aconteceu.

Fernando Moraes

Fernando Moraes

Pois às vezes me dá saudade daquele cara. Ou melhor, daqueles caras. O JC de 98, de 2001 de 2003, de 2005, o JC do Brasil, do roteiro gastronômico e noites de pôquer com o Rogério, o Páris e a Maggie, das sessões musicais com o Felipe e a turma da ESPM, dos jantares no New’s com o Edu depois da GV, dos churrascos na Riviera e na casa do Rondon, dos papos com a Cris Prado, do hino do União São Simão, da Banda Treze, na derrota do Brasil para a Itália, dos natais no Rio, da subida da Imigrantes com o Thiago nos domingos à noite, dos shows da Cowbell no Corleonne, das idas à Cantareira com o Toddynho e o João Paulo.

Claudiomiro e Thiago Reimao

Claudiomiro e Thiago Reimao

Por que eu tenho saudades de mim mesmo? Teria eu sido mais feliz naqueles tempos? Certamente que não. Mas esses JCs me trouxeram para onde eu estou hoje. Todas aquelas histórias sobrevivem apenas na minha memória – sim, as pessoas que estavam comigo também são outras hoje – e são de fato a única coisa que a gente leva dessa vida.

Karaoke - Maggie

Karaoke - Maggie

Talvez para mim seja pior, pois eu não tenho mais acesso a essa gente toda. Um vôo de 11 horas me separa da oportunidade de sentar com eles de novo, naquelas mesmas cadeiras de outrora, para relembrar esses momentos. A impossibilidade do reencontro exacerba as saudades. As saudades do meu país. As saudades dos meus pais. A saudade de mim.

Em algum ponto do futuro eu também terei saudades desse JC de 2008, aquele de Londres, começando uma vida com a Denise, que assistia Grand Designs, que viajou para Dubai e que escreveu posts como este.

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A saudade é um dos temas mais recorrentes destas páginas, desde os tempos de fotolog lá em 2005. Já escrevi sobre o que realmente é saudade, e tipos diferentes de saudade, a saudade do presente, o reverso da saudade.

O atleta olímpico e a abelhinha operária

Começaram os jogos de Pequim. 11 mil atletas disputando 38 modalidades para ganhar um total de 906 medalhas. Os jogos simbolizam a busca do homem pela superação de seus limites. E no processo alguns seres “notáveis” podem aparecer, como foi o caso do Michael Phelps na piscina ontem.

E nessas horas me pergunto até que ponto é legítimo o sonho olímpico. Tirando esses atletas brilhantes que fazem história, será que vale a pena uma pessoa dedicar sua vida a treinar uma modalidade que ninguém conhece, ser testado num momento efêmero, perder por um centésimo de segundo e ser para sempre esquecido?

Michael Phelps, depois de bater o recorde mundial por mais de 1s

Michael Phelps, depois de bater o recorde mundial por mais de 1s

Para que apareça um Michael Phelps numa olimpíada, alguns milhões de atletas têm que ficar no caminho. A maioria não se qualifica sequer para ir aos jogos. Dos que têm a honra de chegar a disputar em Pequim (11 mil atletas), menos de 1% vai realmente fazer alguma diferença na história do esporte. O que existe então para toda essa multidão de esportistas derrotados?

Fica a lição da vontade, quase instintiva, do ser humano de ser o “escolhido”. A humanidade precisa dos seres iluminados para avançar. E a realidade é essa para todos nós. Para que exista um Albert Einstein, um Paul McCartney, um Dalai Lama, um Van Gogh, um Bill Gates, um Mao Tse-Tung, um Pelé, é preciso que milhares, milhões de outras pessoas tentem sê-las e falhem. Os perdedores criam as comunidades que vão cultivar os vencedores, e criam o clima de competição que os motivará a dar o passo além.

Estará ali o próximo brasileiro histórico?

Estará ali o próximo brasileiro histórico?

Sendo assim, perguntar se vale a pena um atleta treinar a vida inteira para perder nas olimpíadas é o mesmo que perguntar se vale a pena eu, você e todos que você conhece estarmos vivos. Porque, assim como os 10.998 atletas que serão esquecidos em Pequim, todos nós as somos tentativas frustradas de Deus de criar um ser capaz de alterar a história da raça humana. As olimpíadas valem a pena assim como a vida vale a pena.

Pois eu já me conformei que não vou mudar o mundo. Nada do que eu faça pode ser tão bom ou tão ruim a ponto de alterar o curso da história. Assim para mim, junto com todos os outros 99.9999999% das pessoas, abelhinhas operárias, pequenos heróis do dia-a-dia, o negócio é relaxar e ser feliz. Ser importante para as pessoas que me são caras, viver em paz comigo mesmo, me esforçar para fazer o melhor que posso e dar o exemplo, assim ajudando a construir uma sociedade que – oxalá – será propícia para trazer o próximo ser iluminado ao mundo. Nós brasileiros somos melhores nisso do que achamos que somos. Nossos ídolos notáveis são uma criação de todos nós – daí a torcida que ficamos num evento como a olimpíada. E, aos trancos e barrancos, devagarzinho estamos chegando lá.

Rádio Cabeça

A cena se deu há umas duas semanas atrás. Denise se arrumava para o trabalho e JC ainda semi-acordado na cama. De repente ela começa a rir e me fala:

DN: “Você está balançando seu pé”
JC: “É que está tocando uma música na rádio da minha cabeça”
DN: “Qual música?”
JC: “’Doralice’, aquela do Dorival Caymmi que o João Gilberto gravou em 1958”

“Doralice, eu bem que lhe disse
Amar é tolice, é bobagem, ilusão
Eu prefiro viver tão sozinho
Ao som do lamento do meu violão”

Denise gargalhou e saiu de casa cantarolando Doralice.

JC escutando à Rádio Cabeça em Ladispoli

JC escutando à Rádio Cabeça em Ladispoli

Acho que todos nós temos aquela rádio que fica tocando na nossa cabeça. Ela entra no ar sempre que a nossa mente fica desocupada. A parada de sucessos daquele dia ainda incluiu “Aconteceu” da Marisa Monte, “Rooster” do Alice in Chains, “Off the Hook”, aquela do CSS que toca no FIFA 08, e infelizmente a “Dança do Quadrado” do pessoal do Kibe Loco.

A programação musical da Rário Cabeça JC é tão eclética quanto meu repertório. Vira e mexe me pego cantando na minha cabeça músicas que nem lembrava que conhecia. Tem outras de minha própria autoria que surgem e somem da minha cabeça num instante, feito bolinhas de sabão. Mesmo as músicas que eu mais odeio fazem questão de aparecer lá, algumas vezes entre as mais pedidas.

Mensagens filosóficas passam na Rádio Cabeça em Caculé, BA

Mensagens filosóficas passam na Rádio Cabeça em Caculé, BA

Mas a Rádio Cabeça não toca apenas música. Tem programas de debates acalorados, onde personagens fictícios discordam frontalmente e apresentam seus argumentos com veemência, para me deixar mais confuso do que eu era antes. Tem programas de histórias e anedotas que eu lembro e me fazem rir sozinho. E tem também a Sessão Nostalgia, em que os momentos e as pessoas da vida de JC passam em reprise numa espécie de “Video Show” mental. Tem até intervalo comercial na minha Rádio Cabeça…

Eu fico curioso para saber o que passa na Rádio Cabeça das outras pessoas. Nesses tempos modernos o pessoal tende a deixá-la desligada, girando o dial na direção de seus iPods e YouTubes e blogs como o desse humilde relator. Mas ela, insistente, invade a mente de todo mundo quando menos se espera, na hora de dormir, na hora do banho, no elevador, na garagem, preenchendo o silêncio que vez por outra nos envolve.

Deixo aqui o desafio para os meus leitores, de listarem as músicas ou histórias ou debates que estão tocando hoje nas suas Rádios Cabeça. Tenho certeza que vamos nos divertir com os comentários.

Rádio Cabeça. A Rádio de um ouvinte só. Su-su-su-cesso. Aproveitem.